Felicidade: A semente ou fruto da Alienação?
Sobre carnaval, meditação e consciência
Sol, Carnaval, futebol... Por mais que o Brasil já esteja conquistando uma visão diferenciada e, [por que não?] renomada no exterior, são ainda as tradições do êxtase que permanecem na imagem de nossa condição social. Não são todos que compreendem o paradoxo do brasileiro feliz. Para exemplificá-lo, deixe-me apenas publicar um texto produzido no processo contemplativo de uma tarde carnavalesca ao me refugiar no alto de um prédio...
O que é o Samba e o Carnaval?
Para muitos, uma festa sem igual
Para mim, somente um bacanal
Uma forma tão inocente
de um conteúdo indulgente
que agita o corpo e desliga a mente
Confete, serpentina, confete
E cai no chão a mina aos 17
Que se meteu onde não se mete
êxtase: o elixir que entorpece
o mundo cai, a alegria permanece!
até que o efei†o etílico cesse
E vejo atônita o lixo pela cidade
que, na putrefação da sociedade,
resiste na máscara da nova idade
Primeiramente, que tal pessimismo não lhe faça crer que o texto tenha uma autora depressiva. Muito pelo contrário, sua autora é uma menina que não tem vergonha de rir alto, uma sensata hedonista que ainda acredita no amor como resgate. O que a incomoda profundamente é a sensação de que a alegria, como apenas consequência, e não início ou meio de um processo, possa estimular formas tão artificiais de ambicioná-la.
Eu poderia tratar a alegria de um modo positivista, como uma combinação concomitante de endorfina, cerotonina, dopamina, adrenalina... Ou ainda, com um toque metafísico, ao associá-la ao processo transendental de encontro com a essência. Mas antes de definí–la, acho mais interessante diferenciar seus diferentes tipos: a euforia, a felicidade e o estado alfa.
Embora não seja essa uma das definições mais oficiais da euforia, esta pode ser definida como um estado em que as sinapses cerebrais encontram-se extremamente efetivas e aceleradas. A energia cinética é tamanha que uma pessoa tende a reconectar de forma imediata o impulso do querer com o do poder, fazendo coisas que jamais faria em um estado de consciência comum. A euforia pode ocorrer em momentos de perigo que impliquem na necessidade de fuga ou enfrentamento, ao se animar muito com uma música, ao encontrar-se prestes a realizar um grande desejo ou até mesmo com o uso de drogas estimulantes, entre outros ( e claro, o CARNAVAL!)... E qual é o perigo? Durante a euforia, uma pessoa pode esquecer de todas as dores e problemas, inclusive os inúmeros de nosso país, trocando-o pela amenidade de festejar. Sobretudo, o efeito é momentâneo e efêmero e pode até se converter em profunda depressão em uma questão de minutos, fazendo com que, para que o desejo de retornar ao estado eufórico seja realizado, seja necessário se expor a doses cada vez maiores do fator estimulante, conduzindo a vícios dos mais sutis aos mais brutais. Isso sem falar dos danos que as ações desenfreadamente movidas pelo querer podem causar aos outros, afinal, imagine só o caos de uma sociedade em que todos fazem apenas o que querem, sem se importar com o querer dos demais?
É comum encontrarmos a felicidade sendo associada um ideal de plenitude. Predominantemente prometida pelas religiões e algumas filosofias, que afirmam serem capazes de oferece-las contanto que um indivíduo percorra um determinado caminho. Mas muitas pessoas também colocam-na como o objetivo maior de suas vidas terrenas, igualmente acreditando que poderá ser alcançada caso tenham determinadas atitutes ou pratiquem determinadas ações, como: estudar mais para trabalhar mais, no intuito de ganhar mais dinheiro e, logo, ser mais feliz. A grande questão é: Porque pensamos ter tanto controle sobre as relações de causa e consequência? Porque ouvimos que nossos pais fizeram algo que os beneficiaram e, logo, passamos a crer que tal ato é essencialmente benígno?
A cada dia, nossas crenças são construídas e destruídas. Em se tratando de um exemplo simples, podemos muito bem acordar e achar que, porque está um dia ensolarado ao amanhecer, haverá sol o dia inteiro e se surpreender com uma chuva torrencial ao fim da tarde. Ou ainda, descobrir que algo que lhe fez sofrer durante uma fase, fazendo-o acreditar que jamais se recuperaria, pode lhe tornar uma pessoa muito mais madura e sorridente depois! Desta forma, como podemos ter tanta certeza de que, se realizarmos nossos sonhos e conseguirmos tudo o que queremos seremos felizes ? Ou indo ainda mais fundo, de onde parte a certeza de que a felicidade é sempre algo bom?
Na sociedade capitalista tradicional, com traços ainda muito visíveis nos tempos atuais, o bem-estar de um indivíduo está relacionado ao seu poder de consumir. Logo, quanto maior o valor monetário dos itens comprados e capital acumulado, maior sua felicidade qualitativa e quantitativa. E você deve estar se perguntando: mas, afinal, qual o problema de ser feliz?! Para quem o é, nenhum. Mas e para as crianças asiáticas em trabalho semi-escravo que perderam suas infâncias ao produzirem seus casacos e botas de pele em condições desumanas? E para os animais que sofreram intervenções fisicoquímicas brutais pra produzir seu suculento bife de vitela?
E então, será que é realmente bom ser feliz estando consciente das consequências negativas de sua felicidade? Ou seria melhor ignorá-las, criando um mundo paralelo de alienação?
Diante dessa indagação, que comparo a cena do primeiro filme da trilogia Matrix, em que Morpheus conta a Neo toda a verdade sobre o mundo não passar de uma ilusão psíquica criada pelo mundo verdadeiro, aquele em que prosperavam as máquinas,você pode sentir medo. Raiva. Euforia! Tristeza. Interesse. Pode até entrar em desespero. Ou pode simplesmente se recolher com a coluna ereta, pernas cruzadas e olhos fechados, observando o ar expandir e retrair seu abdomen e essa indagação bater e rebater em sua mente, da mesma forma que o som reflete e ecoa em uma caverna. E sentir a agitação da mente transformar-se na paz de estar em alfa..
Ao iniciar esse raciocínio, anunciei que diferenciaria a euforia da felicidade e do estado alfa. Pois bem, o leitor deve ter percebido que não me aprofundei muito na definição do estado alfa. Por que será? Porque se lhe contasse muito sobre como atingi-lo, exemplificando-o e fragmentando-o como as etapas da preparação de um bolo, creio que mais dificilmente nele você o presenciaria. Quando finalmente deixamos nossa crença na necessidade do controle e nosso desejo de nesse estado entrar é que o encontramos.
Então... Será que encontrar a felicidade está, justamente, em cessar sua procura?
Parece simples... Mas não tão fácil... Parece-lhe interessante? Por que você não tenta e depois me conta?
Assim, através desse texto, quis expressar que atualmente penso que a alegria de cada um, em suas mais variadas formas é sim algo gostoso, mas que conhecer o contexto que nos permite senti-las nos torna pessoas mais conscientes e maduras, nos sentido de compreender que a alegria está muito mais relacionada algo interior, ou seja, ao que os fatos representam para nós do que os fenômenos em si. Além disso, a Alegria deve nos permitir abrir os olhos e nos motivar para a vida, na busca de novos pontos de vista e reflexões, observando se não lhe causa o efeito contrário da alienação e acomodação. Para sentirmos de forma plena não só a alegria como também os outros sentimentos, é preciso viver os fatos presentes sem julgá-los demasiadamente e nem apegar uma emoção fixa aos mesmos. Afinal, creio que não precisamos ficar felizes por estar felizes ou tristes por estar tristes. Apenas estar. E estar!
Obrigada pela leitura!
Please comment! :))))